Indígenas em Manaus: resistência cultural aos apelos da metrópole



Diego Toledano - portalamazonia

MANAUS – No centro da tribo, um adolescente de aproximadamente 14 anos coloca a mão em uma luva com formigas tucandeiras por 10 minutos. Somente se ele resistir a este ritual ele será considerado, pela sua etnia, apto a entrar na vida adulta. A cena descrita poderia facilmente se passar em uma tribo distante, no interior do Amazonas. Mas é em um dos bairros mais movimentados da capital amazonense que encontramos resquícios de um povo que resiste a esquecer sua cultura. É o retrato da vida de indígenas que migraram para Manaus e enfrentam a difícil tarefa de preservar seus costumes no meio da maior e mais desenvolvida cidade da região Norte do País.
Cerca de 30 mil índios vivem em Manaus. São pessoas de etnias como Tukano, Cocama, Dessana, Cambeba, Sataré-Mawé e Wotchimaucu, que hoje estão distribuídas pelas áreas da periferia manauara. Parte destes povos viu na capital amazonense as oportunidades de mudança de vida. Este é o caso dos índios Wotchimaucu, residentes do bairro Cidade de Deus, na zona Norte.
Os Wotchimaucu chegaram à capital há 20 anos. A tribo vivia no município de Tabatinga (a 1.106 km de Manaus), onde prestava serviços a fazendeiros para sustentar as famílias. Já em Manaus, os indígenas sobrevivem dos lucros gerados pelo artesanato. A artesã Artemis Cruz, de 51 anos, foi a primeira a se mudar para a área urbana. Segundo ela, o custo de vida no interior do Estado é mais caro que na cidade. “Quando estávamos em Tabatinga, ganhávamos mais dinheiro, mas não conseguíamos comprar a mesma quantidade de alimentos que compramos em Manaus. Aqui, ganhamos pouco, mas conseguimos viver com o que lucramos”, explicou ela.

Foto: Diego Toledano/Portal Amazônia

Originalmente, os povos indígenas vivem sob um sistema de uso coletivo da terra. Mas em Manaus, é o capitalismo que os obriga a conseguir fontes de renda. Ainda no caso dos Wotchimaucu, o artesão e coordenador da Tribo, Bernardo Pereira, 47, explicou ao Portal Amazônia que todo o dinheiro gerado pela tribo é dividido igualmente para as famílias da comunidade de origem Tikuna. “Não favorecemos ninguém. Tudo o que recebemos atende às necessidades das famílias em conjunto, e não individualmente”, afirmou. Hoje, a produção de artefatos típicos da cultura indígena é responsável pela maior parte do lucro obtido pela tribo, mas há membros da comunidade que já trabalham no Distrito Industrial de Manaus.
O idioma é outro frágil fator nesta transição social. As crianças da comunidade frequentam escolas tradicionais pela manhã, onde aprendem a Língua Portuguesa. É no período da tarde que elas voltam às aulas, desta vez no Centro Cultural dos Tikuna. Montado pelos Wotchimaucu, o espaço oferece aulas bilíngues. Além da língua mãe, as crianças aprendem também as danças típicas dos Wotchimaucu.


Foto: Diego Toledano/Portal Amazônia

A tarefa de preservar as raízes amazônicas na cidade grande é um dos desafios enfrentados também pela aldeia I´pyrehyt – da etnia Sataré-Mawé -, onde acontece o ritual da tucandeira, retratado no início da matéria. Localizada no bairro Santos Dumont, zona Centro-Oeste, a aldeia reúne 10 famílias. Quem recebeu o Portal Amazônia no local foi o tuxaua da tribo, Moisés Ferreira, de 32 anos. Após se caracterizar com cocares e colares, ele nos levou ao Centro Cultural da Tribo, onde relatou uma série de dificuldades vividas por seu povo.
Uma das reclamações dos indígenas é o descaso da população urbana com as necessidades das tribos. “Muitos universitários nunca pisaram em uma aldeia indígena para conhecer pessoalmente nossos costumes e a nossa realidade. Se um advogado ou um médico viesse nos visitar, ele entenderia nossas necessidades e poderia nos ajudar”, explicou o tuxaua Sataré-Mawé.


Foto: Diego Toledano/Portal Amazônia

Novamente, percebe-se que a cultura é um dos pontos mais fortes que une esses povos. Para os Satarés-Mawés, o ritual da Tucandeira, que continua sendo realizado anualmente, precisava ser conhecido mais profundamente pelas pessoas que tantas vezes passam pelas ruas que cercam a aldeia, mas sequer imaginam que o costume é praticado ali, logo ao lado. “Todos os nossos eventos são realizados inteiramente por nós. Por isso não conseguimos divulgar para muitas pessoas”, disse ele.
Com tantos desafios a serem vencidos, a ideia de voltar ao interior do Amazonas vence muitos destes índios. Segundo o tuxaua, duas famílias já abandonaram a comunidade e decidiram tentar a vida fora da reserva. “Sentimos falta da família que deixamos para trás, mas já não posso abandonar o que consegui em Manaus. Meus filhos cresceram aqui e é importante para mim que eles ingressem no Ensino Superior”, explicou a Tikuna Artemis.
O pesquisador da Universidade Estadual do Amazonas (UEA) e autor da pesquisa “Nova Cartografia Social do Amazonas”, Claudemir Sales, afirmou que os índios tendem a abandonar sua identidade por se sentirem ignorados. “Eles vêm de um difícil cenário de invisibilidade social. Então chegam à cidade e vêem que continuam sendo negligenciados. Desta forma, decidem abandonar a identidade indígena e procurar melhores vidas como cidadãos da capital”, explicou.
As famílias que escolhem permanecer em Manaus seguem nesta constante batalha em defesa da sua essência cultural. Enquanto isso, cada palha trançada a grãos da região mostra o longo caminho percorrido por este povo histórico. “O artesanato serve para preservar a cultura de nossos ancestrais e garantir que nossos filhos e netos conheçam os costumes indígenas”, contaram os indígenas da Wotchimaucu.

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