Livro resgata a riqueza da literatura indígena em Roraima

Para valorizar a língua Macuxi e divulgar as lendas e mitos da região, o padre Ronaldo B. MacDonell organizou o livro “Kaikusiyamî’, Wairayamî’ moropai Maikanyamî’ Onças, Antas e Raposas Jaguars, Tapirs and Foxes”, que busca devolver a riqueza da literatura indígena ao povo nativo. A ideia surgiu a partir de uma pesquisa histórica feita em 2005 no Mosteiro do Rio de Janeiro.


O livro relata 30 narrativas transmitidas oralmente pelos Macuxi e que foram registradas de forma escrita. “Antigamente não se tinha contos escritos, somente falados. Então pensamos em algo que eles pudessem guardar para futuras pesquisas”, declarou.


MacDonell explicou que a ideia surgiu a partir de uma busca realizada pelo Padre Vanthuy Neto. A pesquisa tinha o objetivo de mostrar a história dos monges beneditinos e o trabalho desenvolvidos por eles na Diocese de Roraima.


“A pesquisa foi feita no Mosteiro de São Bento, no Rio de Janeiro, e teve como base um acervo de 132 mitos do povo Macuxi, coletados em Roraima pelo monge beneditino Dom Alcuíno Meyer, entre os anos 1926 e 1948”, comentou.


O padre MacDonell destacou que Dom Alcuíno aprendeu bem a língua Macuxi devido à convivência contínua com o povo. Diante disso, traduziu as orações Pai Nosso e Ave Maria para a língua nativa, além de escrever as lendas da região da mesma forma que escutava.


“Sabendo dessa riqueza nas lendas regionais, em 2005 fiz a primeira pesquisa. Como achei o assunto muito interessante, voltei mais duas vezes ao Rio de Janeiro, copiei os 132 mitos do povo Macuxi e, na volta em 2009, sentei com três falantes de Macuxi, para corrigirmos os textos em Macuxi conforme o alfabeto atual indígena”, explicou.


Dos 132 mitos escritos por Dom Alcuíno, foram selecionados 30 para compor o livro, o qual é trilíngue. “Os textos estavam em macuxi, então traduzimos para o português e por fim eu traduzi para o inglês”, disse MacDonell, acrescentando que mais três indígenas Macuxi fizeram a ilustração do livro.


Questionado sobre as dificuldades na produção do livro, o padre citou que a maior foi com relação ao padrão de escrita da língua Macuxi, porque não há um modelo fixo que possa ser seguido, como, por exemplo, para o português tem a academia de letras que define como se escreve.


“Já em versão Macuxi não existe e há também poucas publicações de escritas Macuxi, por isso se tornou mais difícil a composição dos textos. Há também a questão dos próprios Macuxi não valorizarem a sua língua nativa”, comentou.


Uma das observações feitas por ele é que durante a revisão dos textos os indígenas que participaram da produção contavam entusiasmados suas versões das histórias, sempre destacando que ouviam os avós deles contar as mesmas lendas, porém com contextos distintos.


A língua Macuxi está ameaçada, pois a maioria dos nativos se comunica por meio do português, inclusive nas escolas indígenas a língua serve apenas como disciplina e não como língua nativa.


“É por isso que queremos reviver essa língua, não querendo dizer que falar o português é errado, pois todos têm que conhecer a língua nacional, porém a língua nativa não deve ser esquecida”, frisou MacDonell.


A capa do livro tem na ilustração o Monte Roraima, que representa um mito e ganha destaque no livro no trecho em que fala da formação daquele ponto geográfico.


“Segundo a lenda, naquele local havia uma árvore de vida, que dava muitos frutos. Certo dia, os irmãos Inxikiran, Ani’k e Makunaima cortaram a árvore. Dessa forma, o tronco, única parte que restou da árvore, virou o Monte Roraima”, narrou o padre.


Além dos contos, o livro expõe o depoimento do ex-coordenador do Conselho Indígena de Roraima (CIR), Dionito José de Sousa. O padre Vanthuy Neto descreve a história da Missão Beneditina em Roraima e o sentido da coleta da mitologia dos povos indígenas na linha missiológica adotada pelos monges beneditinos da época.


Narra ainda a história do monge suíço-alemão Dom Alcuíno Meyer, que foi obrigado a deixar Roraima em virtude do fechamento da Missão, a qual o levou de volta ao Mosteiro do Rio de Janeiro, onde organizou o acervo de mitos coletados durante os anos de convivência com o povo Macuxi.


MacDonell salientou que o título do livro surgiu com referência à representação das lendas, para não ficar o básico como “Lendas do povo Macuxi”. “Preferimos optar por figuras de animais, que representam muito bem os contos descritos no livro”, disse.


O lançamento do livro ocorreu na segunda-feira, 25, às 19h, no prédio da Prelazia, situado na Avenida Bento Brasil 613. Três mil exemplares dessa primeira edição estarão à venda no valor de R$ 15,00.


ORGANIZADOR – Padre e doutor em linguística, Ronaldo B. MacDonell, de origem canadense, trabalha com o povo Macuxi desde 1993. Também trabalha como assessor linguístico do Conselho Indigenista Missionário Norte I (Cimi), que atende grupos indígenas de Roraima e Amazonas. O objetivoo de seu trabalho é preservar e revitalizar as línguas nativas indígenas

Fonte: Folha de Boa Vista

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